Se minha vida fosse um longa...
Take 1.
Semaninha no Rio, Enrico convida para um cinema no famoso Cine Odeon, único sobrevivente dos templos da sétima arte na Cinelândia.
A proposta é legal: uma seleção de curtas cabeça, seguida de festinha no próprio cinema, regada a copinhos de aguardente com turminha alternativa.
- Tá ótimo. Te encontro às oito, no café _digo. E às oito, lá estamos nós.
Primeiro curta, uma coisa assim P&B, imagens confusas, um homem falando o tempo todo sobre suas dúvidas existenciais. Eu estava achando a reconstituição de época perfeita:
- Olha, Enrico, todos atores têm bigode! O figurino está perfeito! Olha, até os carros eles conseguiram pegar da década de 70.
Até descobrir que o filme era, realmente, da década de 70.
Take 2.
Lá está o homem vivendo todo o seu dilema existencial, dizendo eu não tenho medo, eu sou o que sou, mas quem sou eu, o que é a vida, o que é a morte, quando, no meio do caminho, aparece um porco.
Claro que, como toda pessoa mentalmente equilibrada, ele se agarra ao porco e começa a rolar com o bicho na lama, desferindo chutes e socos e toda sorte de golpes.
- Óooooiinc, óooiiiiinc... berra o animal.
E o moço da crise existencial começa a furar o porco com uma faca. E atenção Sociedade Protetora dos Animais: mata mesmo. Para valer. Dá para ver, sem qualquer tipo de montagem, que o bicho estrebucha até morrer.
E o filme acaba.
Take 3.
No próximo curta, mais um belo exemplo de poesia e sutileza. Um rapaz com cara de "acabei de matar minha família" entra num local escuro com uma galinha dentro de um saco. Então ele enfia a galinha num funil, arranca a cabeça da coitada, deixa o sangue cair num pote, pega uma seringa e injeta o sangue no braço.
Aí começa a rir desesperadamente.
Fim.
Nesse, pelo menos, tomaram o cuidado de dizer que a galinha havia sido criada para o abate e que, para não haver desperdício, após as filmagens todos haviam comido a "penosa". Menos, segundo informações do próprio filme, o cenografista, que era vegetariano.
Take 4
Pausa para indagação: "Cara, pela hóstia consagrada, que diabo de filmes são esses?", "Não sei, também não estou entendendo nada!", "Tomara que o próximo seja mais normalzinho, né?", "Tem que ser. Será que ninguém vê que isso é muuuito ruim?", "Pssshhhh".
Take 5.
Enfim um roteiro light: a mulher está traindo o marido, o homem chega em casa, vê a cena, pega um facão, mata o Ricardão, os dois picotam o coitado e fazem lindos bifes.
Ah, e a delicada cena da piroca na bandejinha?
Um mimo.
Take 6.
Rapaz namora a moça.
A moça é virgem e inocente.
Rapaz mata a moça com a ajuda da mãe.
Diálogos possíveis:
- Otávio Augusto de Almeida Castro, você é tão lindo, tão meigo, tão formidável...
- Quando você sorri, Angélica Cândida, é como se um arco-íris te rodeasse. Seus lábios são feitos de mel, seus cabelos têm o perfume dos prados verdejantes.
- Sua vagabunda ordinária prostituída, você está seduzindo o meu filhinho Otávio Augusto de Almeida Prado?
- Não, madame, não! Por favor, não me mate cravando esse machado enferrujado no meio da minha testa! Amor, me ajude.
- Eu sou da mamãe! Eu sou da mamãe!
Gente, era tão trash, tão trash, mas tão trash que eu simplesmente tive uma crise de riso no cinema, e todo mundo começou a gargalhar descontroladamente, e a assoviar, e a bater palmas, e foi aquela putaria.
Sobem os créditos.
Diretor: Zé do Caixão.
Explicado: a noite era de curtas trash, não de filme cabeça.
Que o diga a galinha.