sexta-feira, novembro 29, 2002

Pour moi

Quando a lua apareceu
Ninguém sonhava mais do que eu
Já era tarde
Mas a noite é uma criança distraída

Depois que eu envelhecer
Ninguém precisa mais me dizer
Como é estranho ser humano
Nessas horas de partida

É o fim da picada
Depois da estrada começa
Uma grande avenida

No fim da avenida
Existe uma chance, uma sorte
Uma nova saída

Qual é a moral?
Qual vai ser o final
Dessa história?

Eu não tenho nada pra dizer
Por isso digo
Que eu não tenho muito o que perder
Por isso jogo
Eu não tenho hora pra morrer
Por isso sonho

São coisas da vida
E a gente se olha, e não sabe
Se vai ou se fica


(COISAS DA VIDA)
Rita Lee

quinta-feira, novembro 28, 2002

Aí hoje o James chegou aqui no trabalho e disse assim:
- E aí, menina, tudo jóia contigo?
- Tudo beleza.
- Ah, sabe quem eu tenho visto muito, ultimamente?
- Quem?
- O teu namorado.

Pausa.

Namorado - S. m. Bras. Zool. Peixe teleósteo, perciforme, pinguipedídeo (Pseudopercis numida), do Atlântico, de coloração violáceo-escura, com pintas brancas esparsas pelo corpo, nadadeira dorsal contínua da nuca ao pedúnculo caudal, e comprimento de até 1m.




Não... acho que ele está falando de outra coisa.

Namorado- S. m. Aquele que é requestado, galanteado
Galantear V. t. d. Fazer a corte a; cercar de atenções e amabilidades; cortejar.

Tá, desconsiderando o fato de que a palavra galantear não é usada desde 1830, posso dizer que sim, entendi a mensagem.
E sim, existe uma troca de atenções e amabilidades em curso.
E sim, o mundo anda estranhamente mais bonito nas últimas semanas.
Será que isso significa...
Será?
Será que eu...
...
estou namorando?
AAAAAAAHHHHHHHHH!!!!!!!!!





Antes de maiores detalhes, este grito merece uma contextualização.
Estava eu meses atrás conversando com amigo Almeida (aquele do bigode) sobre questões de suma importância para o desenvolvimento da humanidade quando ele disse mais ou menos assim:
- Ah, mas sabe o que eu queria mesmo? Uma namorada...
- Tá doido, Almeida?
- Ah, alguém pra ficar juntinho... ir ao cinema... dar carinho...
- Neeeem...
- Tá, vai dizer que você não sente falta de namorar alguém?
- Euzinha? Não mesmo.
- Até parece...
- Juro, Almeida. Por anos a fio eu tive namorado. Acabava um namoro, começava outro. Acabava um namoro, começava outro. Mas chega, sou muito nova pra ficar me amarrando a alguém. Agora que eu descobri a gandaia, meu filho, não quero namorar tão cedo!

E ele ficou me olhando com aquela cara de quem não está entendendo nada.
Não eram os homens que não queriam compromisso?
Não eram os homens que fugiam de relacionamento?
E agora...
- Elas nem ligam no dia seguinte!!!

Pois é, Almeida, os tempos mudaram...
E como diria Cindy Lauper: "Girls just wanna have fun!"

Aí lá estou eu, convicta e inabalável na minha solteirice, negando toda e qualquer possibilidade de um compromisso mais sério quando ele vem e me oferece um brigadeiro no fim de tarde.
Golpe baixo.
Como é que você resiste a um brigadeiro?
E a uma massagem nos ombros?
E a versos de Carlos Drummond de Andrade?
Impossível.

Aí você vai indo, gostando disso e daquilo, sorrindo, encontrando pontos em comum, quando menos espera, deixa escapar um:
- Benhê...
E quer enfiar a cara dentro de um saco de papelão.
Que vergonha...

Aí, nas neuras intrísecas ao universo feminino, você começa a se questionar e a querer saber o que é isso.
E o James chega e pergunta:
- Ué, mas ele não é teu namorado?

E enquanto eu fico pensando em peixe teleósteo, perciforme, pinguipedídeo de pintinhas brancas, Sílvio Santos invade a sala com um microfone na mão e pergunta pro Benhê:
- É namoro ou amizade?




Ao que ele, elegantemente, responde:
- É tico tico no fubá.
:-O

E eu lá sou mulher de tico tico no fubá, meu filho?
Deixa meu pai saber de uma dessas!
Não mesmo!
Eu estava muito feliz e satisfeita lá na minha solteirice, disposta a não me apaixonar por ninguém.
Ninguém mandou você vir com um brigadeiro e palavras doces.
Agora venha cá e seja bonzinho que eu quero te apresentar para o pessoal.

Pessoal, esse é o benhê.
Meu... namorado.

quarta-feira, novembro 27, 2002

Pronto! Enfim encontrei um tema edificante para oferecer a você, amigo leitor, um pouco dos ensinamentos da moral e dos bons costumes.
Afinal, este é um blog familiar singelo e preocupado com o futuro da nação!
Então sentem em suas carteiras, abram o livro na página 14 vamos lá:

Porque não devemos ser preguiçosos

Nessas últimas semanas, escrevendo e corrigindo e escrevendo e corrigindo e escrevendo e corrigindo os textos para o caderno, só tenho levantado meu derriere da cadeira para três coisas:
- almoçar
- jantar e
- subir e descer escada

Só que como nem esse pequeno esforço a madame preguiça estava disposta a fazer, lá estava eu no quinto andar, com a meta de chegar ao quarto, quando pensei:
- ah, não... vou de elevador.

O elevador chegou, eu disse oi para o rapaz que vive carregando papéis e apertei o botão do quarto andar.
- Mas esse elevador está subindo. - ele disse.
- Ahn... tudo bem.

Aí o elevador foi pro sexto, pro sétimo, no oitavo o rapaz desceu.
Depois o elevador foi pro nono e pro décimo, onde entraram uns executivos de óculos escuros que ficaram segurando o elevador para o amigo deles que já estava vindo.
Quando o amigo veio, o elevador desceu pro nono, onde entrou uma senhora gorducha, e pro oitavo, onde o rapaz dos papéis entrou de novo, já com novas pilhas de documentos:
- Mas você ainda está dentro desse elevador?
Sorri sem graça:
- Pois é, né... estou...

Aí o elevador parou no sétimo, onde desceram alguns dos executivos de óculos, parou no sexto, onde entrou uma moça com cara de professora, e parou no quinto, onde descemos o rapaz dos papéis, a senhora gorducha e eu.
O rapaz deu dois passou, voltou e olhou pra mim:
- Mas você não ia pro quarto?
- Ia.
- Então por que você desceu aqui?

Ou seja, quinze minutos depois, lá estava eu, novamente no quinto andar com a meta de chegar ao quarto.
Já ia chamar o elevador de novo quando me dei conta desta saudável lição, crianças:
A preguiça não compensa.

Além disso, subir e descer escada engrossa as pernas.
E isso é muito importante.

terça-feira, novembro 26, 2002

Fama!

E eu não vou nem mentir que pobre é assim mesmo, chega visita quer mostrar a casa toda, abre os armários pra mostrar a louça, quer mostrar a reforma no banheiro... Louco pra se vangloriar. Não é assim?
E por que eu seria diferente?
Então eu digo mesmo: o Moshi Moshi tá nos blogs favoritos do No Mínimo!!!!!
É a fama!
Meu Deus, em breve serei reconhecida nas ruas!
Preciso comprar uma peruca loira...

Entretanto, como na atual situação liso financeira que me acomete eu não tô com dinheiro nem para tirar minhas roupas da lavanderia _juro, tenho quatro calças que já estão lá há duas semanas, sem dinheiro pra pagar o resgate. Aí hoje fez frio mas eu vim de saia do mesmo jeito, e ainda digo que é atitude e estilo.
Sem digressões: como na atual situação liso financeira etc etc etc lavanderia, vou deixar essa peruca loira pra outra ocasião.
E por enquanto resignar-me-ei morena com a fama e a glória.
As pessoas pedindo autógrafos, o escândalo nas ruas. (Diga pro Jô Soares que eu ligo pra ele depois, obrigada)
Muuuito legal!

Sério, fiquei feliz para caramba!
Mas aí pensei:
Caramba, e agora? Tenho que escrever alguma coisa inteligente naquele blog!
:-O

Vamos lá, pense pense pense...
Alguma coisa assim, com uma mensagem legal pra humanidade, um estilo "sabedoria budista", que tal?
Tipo: estava a viajante em busca de seu eu interior etc etc etc árvore paz sensibilidade etc etc etc aí ela perguntou:
- Mestre, qual o sentido da vida?
E ele disse:
- Azul.

Ou uma coisa blasé, assim:
eu e meus olhos de ressaca, na frente do teclado, com um martini (não me perguntem onde eu achei um martini aqui no trabalho), meio desiludida da vida, observando a fumaça do cigarro subir lentamente...
olho para a janela:
- queria ver a cara desses palhaços burgueses caso eu abrisse agora a vidraça e me atirasse rumo ao infinito...
Se hoje não fosse terça-feira...
Merda.

Mas que nada.
Aqui estou eu, feliz e satisfeita com a barriga cheia depois de almoçar arroz branco
com bolinho de arroz frito
e de sobremesa _quem adivinha?
isso mesmo: arroz doce!!
(eu adoro a criatividade do povo do bandejão).

Olhando para o desenho de duas galinhas que minha editora fez e eu colei na parede.
E pensando no bendito CD do Rouge que eu comprei por um real no camelô para alegrar o churrascão lá na casa do Guilherme e que, quando vi, era um CD do É o Tchan.
Mas pior foi com a Cíntia, que comprou um CD do Luiz Gonzaga falsificado e, quando viu, era um CD da funkeira Tati Quebra Barraco, que canta assim:
"Eu sou feia mas tô na moda."

Quer saber, Tati?
Eu também!
Viva!!!!!!!!!!!!!!
:-)

sexta-feira, novembro 22, 2002

I would like a place I could call my own
Have a conversation on the telephone
Wake up every day that would be a start
I would not complain of my wounded heart
...
...
Just wait till tomorrow
I guess that's what they all say
Just before they fall apart


Regret
New Order
Heim, vovó?
Minha tia reclamando da enxaqueca.
Minha tia reclamando da enxaqueca.
Minha tia reclamando da enxaqueca.
Minha vó e toda sua sabedoria:
- Você precisa é ir no miolologista.
- Heim?
- No miolologista.
- Como assim, vovó?
- Ué? Não é assim que chama o médico que trata os miolos da gente?

quinta-feira, novembro 21, 2002

Vai vovó!
Por ser casa de vó, estávamos sentadas no quintal, sob a sombra das árvores.
Por sermos primas e amigas, nossas risadas podiam ser ouvidas do outro quarteirão.
E por sermos mais velhas, eu e a Bia tentávamos explicar para a Teté este maravilhoso e complicado mundo das relações amorosas.
Acontece que a Teté deu pra se apaixonar.
- Já gosto dele há quase três anos! - ela diz. Um período de tempo nada desprezível para uma menina que, agora, chegou aos treze.

E entre as características do rapaz que levaram minha priminha a este tão nobre sentimento está o sofisticado hábito de andar por aí com a calça caindo e mostrando a cueca.
- Se a cueca for vermelha, então, fica lindo! - ela diz.

Caros, este tema já foi abordado aqui uma vez...
Por favor, não usem calça caindo mostrando a cueca.
Mas se você for rebelde e resolver usar, pelamordedeus, pelo menos use uma cueca.
Acreditem ou não, isto é algo que precisa ser dito.

Mas voltando ao assunto...

Por ser Dona Antônia a vó mais curiosa deste mundo, lá está ela na porta da cozinha já entrando na conversa.
- Mas que negócio é esse de calça caída, Teté? Coisa mais feia...
- Ah, vó, eu acho lindo.
- Como é que pode, um rapaz andar por aí assim, com a calça caída? Isso não é jeito de homem...
- E como é que ele tem que vestir, vó? - eu pergunto.
- Ah, ele tem que ser sério, né, minha filha? Andar assim com uma calça social, uma blusa arrumada. Que nem o seu pai, Teté!
- Ah, vó, meu pai? É muito careta! - responde a fã das calças caídas, com aquela cara de abuso que só os adolescentes sabem fazer.

Eu insisto:
- E o que mais, vovó? Como é que um homem tem que ser pra gente namorar?
- Ah, tem que ser trabalhador, né? Estudioso. Sério...
- E pode ser mais novo?
- Aí eu não sei, né, minha filha... nesse mundo de hoje... só sei que eu não gosto de homem mais velho, não... muuuito velho... eu não gosto, não.
- Mas o vovô não era mais velho que a senhora?
- Era mais velho oito anos... aí pode. Só não é bom quando é de muito. A sua tia não estava namorando um velho?

E por ser minha tia a herdeira legítima da curiosidade da minha vó, num instante ela aparece na porta da cozinha:
- Velho, mãe?
- Mais de cinquenta anos... um absurdo...
- Que é isso, mamãe! Ele é um cara maduro!
- Um coroa, isso sim. Eu não concordo com essas coisas não... mas...

Vovó continua:
- Um homem pra mim tem que ser assim, da mesma idade. E tem que ser muito educado. Respeitador... Não pode ter vícios, né? É bom quando é calmo, um rapaz direito...
Aí ela para, pensa um pouquinho, com a mão no queixo, e diz assim:
- E tem que ter bunda.

Close na cara das três primas. Chocadas.
- Vó!!!!!
- Mas é claro, e eu vou querer homem sem bunda? Até parece...

***
Por isso eu digo, companheiros, que a terceira idade não é mais a mesma.
E hoje o Ricardo teve a prova.
Foi entrevistar a dona Dirce, charmosa moradora do Largo do Arouche que, embora já tenha passado a linha dos 60, declarou feliz e serelepe que vai tatuar uma borboleta.
- Mas onde, dona Dirce? - quis saber o meu amigo.
- Ah, meu filho, onde não tenha ruga, né?!!!

...
pelo menos ela não quer tatuar o rosto do Latino.
E minha avó ainda não falou em piercing no umbigo.
Ainda.

quarta-feira, novembro 20, 2002

Família
Sabe?
Família.
Cachorro, gato, galinha
vive junto todo dia
nunca perde esse mania - ?
Pois é.

Eu perdi.
Mania outra: essa de sair por aí cuidando da própria vida, conhecendo gente nova e morando para sempre por enquanto aqui. Por falar nisso, tenho que ir atrás de um cantinho pra morar no mês que vem...
Mas um dia a gente volta, não é mesmo?
Aí eu voltei.

Cheguei o dia amanhecendo.
Minha vó de camisola no portão.
- Calma, Leão.
É o fila que protege a casa. Imenso.
Segundo ela, tem cisma com carteiros e cobradores.
Comigo foi um doce.
Apoiou as patas na minha barriga e quis lamber minha cara.
Eu não o conhecia, embora seja o xodó da casa há vários anos.

De nosso último abraço, quanto tempo de distância?
Outono que sucede outono...
Bote aí mais de sete anos...
Dona Antônia me olhando com seus olhinhos miúdos:
- Você cresceu...

Ao lado da pia, uma flor dentro de uma caneca.
E o café tem cheiro de saudade.

segunda-feira, novembro 18, 2002

E tome mais viagem!
Até parece que eu trabalho pra National Geographic.
Seguinte: fim de semana passado fui pra Presidente Prudente, onde moram minhas duas avós, meus 19 tios e centenas de primos.
Um mais louco que o outro.
Mas depois eu conto que agora vou pro bar.
Fiquem com o cheiro do café da minha vó.
Não tomo café.
Mas gosto do cheiro...

sexta-feira, novembro 15, 2002

´´´ ´ ´´´´ ´´ ´ ´´´ ´´´ ´ ´´´´´´´ ´´´ ´´´
´ ´ ´ ´´´´´ ´´´ ´´´´´´ ´´´ ´´´´´´ ´´´´ ´ ´´´ ´´´´
´´ ´´´´´ ´ ´´´´´´ ´ ´´´´´´ ´´´ ´ ´´´´´
´´´ ´´´´ ´´´´´´ ´´´ ´´ ´´´ ´ ´´´´´´ ´´´´´ ´
(...caminhar ´´ ´´´´´ ´´´´´ ´´´ ´ ´´´´´ ´´´´
sob a chuva fina ´´´ ´´´´ ´ ´´´ ´ ´ ´´´ ´´
no meio ´´´ ´´ ´ ´´´´´ ´´ ´ ´´´´´´ ´´´´ ´´´
da tarde...) ´´´´´ ´ ´´´´ ´´ ´ ´´´´´ ´´ ´ ´´ ´´
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quinta-feira, novembro 14, 2002

quarta-feira, novembro 13, 2002

E para encerrar a viagem do Rio, eu queria apresentar a vocês a dona Jurema.

Rio parte IV
ou
Confete e serpentina

Ainda no elevador, o Gustavo disse assim:
"Agora nós vamos entrar no apartamento de dona Jurema, que foi uma das destaques mais importantes que a Salgueiro já teve, na década de 70. Ela era linda! Lindíssima!
(O Gu, como eu já disse, sabe tudo sobre samba, do nome do porteiro da Vila Isabel ao enredo da Viradouro de 1959. E ele continuou...)

"As fantasias dela eram um luxo. O Leonardo ia pra Nova York, todo ano, só para comprar o pano da fantasia dela!
(O Leo é filho da dona Jurema, e amigo do Gu)

"Eram muito ricos, uma das mais tradicionais famílias da sociedade tijucana!
(Ele toca a campainha)
Mas isso foi antigamente, nos tempos áureos. Hoje..."

Dona Jurema abre a porta.
Beijinho de um lado e do outro, um pouco distante, para não borrar a maquiagem.
Unhas vermelhas, cabelo loiro, brincos grandes.
- Senta, minha filha. - ela diz, apontando o sofá.

O sofá enorme, imenso de fofo, com umas vinte almofadas em cima.
Móveis grandes demais para o apartamento pequenininho.
A cristaleira imensa.
As cadeiras de encosto alto.
A mesa larga.
Resquícios de uma época, quem sabe, em que os salões eram amplos e dona Jurema dançava pelos corredores. Linda. Lindíssima.

- Senta, minha filha. - ela repete.
Dona Jurema gosta de ser obedecida.
Afundo no sofá, soterrada pelas almofadas.
Ela acende o cigarro, reclama de dor nas costas. Ficou o dia todinho passando roupa.
- Vamos, Leonardo César!
- Já vai, mãe!

Gu vem me mostrar um troféu.
- Olha só o troféu da dona Jurema!
Um troféu espelhado, do Salgueiro, o nome de dona Jurema em um plaquinha de metal.

- Ah!... interessante... - exclamo eu, sem saber muito o que dizer.
- Não mente, não! - já vai avisando dona Jurema - nem pense em dizer que é bonito! Essa é a coisa mais cafona que existe.
- Mas... bem... é importante, não é? Uma homenagem...
- Ah, minha filha, é o passado. O passado... - responde minha anfitriã, olhando a fumaça que sobe. - Leonardo César!

Enfim Leonardo chega e lá vamos nós.
Eu, Gu e Evandro atrás, Leo e dona Jurema na frente, rumo ao Complexo do Alemão, onde está a quadra da Imperatriz Leopoldinense.

- Lembro uma vez... - conta dona Jurema, se olhando no espelho - Teu pai ainda era vivo, Leonardo César. A gente veio numa festa e começou um tiroteio. E eu, com o susto, fugi na direção errada, correndo morro acima! Já pensou? A sorte foi que um senhor me parou no meio do caminho e gritou "é pra lá, dona!" e me puxou pra baixo. E eu era bem mais gorda nessa época, quase que descia rolando!
Ela retoca a maquiagem.
É bonita, ainda. Eu acho.

A diva da década de 70 é recebida com todas honrarias pela nobreza leopoldinense.
Cavalheiros que beijam sua mão e pedem passagem:
- Deixem dona Jurema passar!
Ela vai passando e senta na mesa reservada para ela, do lado do palco.
Nós, da ralé, ficamos pra trás mesmo.
Espichando o pescoço, na ponta dos pés, dou um jeitinho de espiar o desfile.

Cada fantasia mais maravilhosa que a outra.
Capas, jóias e brocados.
Ishalá: muito ouro! muito ouro!
Tudo ofusca a vista.
Um luxo só.

Passa a princesinha, de cabelos crespos, inclinando docemente a cabeça para os súditos.
Dona Jurema aplaude e comenta com alguém, muito satisfeita.
Mas no meio daaquela alegria toda, um verso do Chico não quer me largar:
"A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Pra fazer a fantasia
De rei ou de pirata ou jardineira
E tudo se acabar na quarta-feira”


Estamos ali, no sopé do morro do Alemão.
Na ribanceira da favela.
Dona Jurema e seu passado.
A menina e sua fantasia.
E eu - tentando descobrir onde foram parar as moedas.
De onde surgiu o coelho branco.
Qual o truque do baralho.

Mas, ouve, quem é você para decidir aqui o que é real e o que é ilusão?
Para dizer que essa menina não é mesmo uma princesa?
Que o pai dela não é um rei?
- Cortem-lhe a cabeça! - dirá a mãe dela, muito zangada.
Pois você pensa que no seu corre-corre em São Paulo a vida é muito mais real?
E que ao escrever escrever escrever, à procura do quê? Dos fatos?
Ah, meu bem, você e os seus jornais.
Pura ilusão.

Dona Jurema e seu passado.
A menina e sua fantasia.
Eu e meus jornais.

Mas eis que no meio das minhas reflexões filosóficas sobre o real e o imaginário tendo como estudo de caso a representação carnavalesca rumo a conclusões importantíssimas, o moço do alto-falante anuncia assim:
- E agora com vocês, senhoras e senhores, ele...
O maravilhoso...
O surpreendente...
O magnífico...
ELIMAR SANTOS!!!!!!!!!!!

E eu não digo, meu povo, que é assim?
Quando eu penso que enfim posso adotar um ar blasé de desilusão, aquela coisa intelectual, introspectiva, meio dia de chuva...
São Pedro faz o que?
Joga o Elimar Santos na minha cabeça!

E lá vem ele com sua roupa de pirata descendo as escadas com confete e serpentina:
"Cidade maravilhosa
Cheia de encantos mil
Cidade maravilhosa
Coração do meu Brasil!"


E tome chuva de papel picado, baianas dançando, dona Jurema sorrindo e a princesinha batendo palmas e o Elimar mandando beijinho pra galera.
Só eu vou ficar de fora?
Bem doida!
Vamos lá, Elimar! Tesão da minha vida!

Jardim florido de amor e saudade,
Terra que a todos seduz
Que Deus te cubra de felicidade,
Ninho de sonho e de luz

Cante comigo:
Cidade maravilhosa, cheia de encantos mil
Cidade maravilhosa, coração do meu Brasil!!


E assim, com muito confete e serpentina, termina, meus caros amigos, a saga "Amarílis na Cidade Maravilhosa" - mais uma mentira inventada por mim.
Mas se a verdade é inverossímil... o que fazer?
;)
beijos a todos

Ílis



********************
Making off:

E no carro, voltando da festa, o primeiro comentário de dona Jurema:
- Mas Leonardo, como a Regina tá goooorda!!!!
- Não é, mamãe? A bunda deeeeesse tamanho! E aquela mulher é chata pra caralho.
- Leonardo César! Olha a menina aí atrás.
- Ah, mamãe, mas a Amarílis tem que aprender essas coisas.
- Que educação, Leonardo! Mas a Regina é foda mesmo. E como tá gorda... Puta que pariu!

terça-feira, novembro 12, 2002

Rio Parte III
ou
A estrela sobe

Fomos pro Leme.
Sentamos numa barraquinha na praia e eu fiquei ali, bebendo minha água de côco com o canudinho e a água do mar com os olhos.
A brisa trazia uma música que tocava ao longe, mais ou menos assim:
"Não dá pra apagar o sol,
não dá pra parar o tempo"


Era fim de tarde.
Um domingo normal, com jeito de diferente.
Ou diferente, com jeito de normal.
Não sei. Com preguiça, estiquei os braços e olhei pro céu.
"Não dá pra contar estrelas que brilham no firmamento" _dizia a canção.

Mas àquela hora só brilhava uma.
"Primeira estrela que vejo, realize meu desejo" _a gente aprende isso quando é criança e nunca mais esquece, não é mesmo?
Ah, vontade de pedir tantas coisas...
saúde, amor, paz... pra todo mundo.
Parece coisa de Reveillon...
é isso, esse domingo está com cara de Reveillon...
As pessoas sorrindo, uma esperança no ar...
a sensação de que agora, sim, tudo pode dar certo.

Passa um senhor cantando mais um trecho da canção:
"Não dá pra parar um rio quando ele corre pro mar..."
E outro continua:
"Não dá pra calar o Brasil quando ele quer cantar..."

Na minha blusa branca, no canto esquerdo, uma estrela vermelha. E a frase: "Agora é a nossa vez!"

"Bote essa estrela no peito,
não tenha medo ou pudor.
Agora eu quero você,
te ver torcendo a favor.
A favor do que é direito,
da decência que restou,
a favor de um povo pobre,
mas nobre trabalhador.
É o desejo dessa gente,
querer um Brasil mais decente,
ter direito à esperança
e uma vida diferente"


Eu e os meninos corremos para a comemoração, ao lado do trio elétrico.
Uma multidão incrível, um mar de gente. Gente branca, preta, pobre, rica, nova, velha.
De todo jeito!
Todo mundo cantando, sorrindo. Pura algazarra.
E quando aparecia no telão:
"Luiz Inácio Lula da Silva...
...
54% dos votos"
A gritaria ensurdecedora:
ÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊ!!!!!!!!!!!!

Era estranho. Era bonito mas era muito estranho.
Não era carnaval, não era jogo de futebol... meu Deus, isso é política!
E essas pessoas aqui, vibrando desse jeito? Com política?
- Eu juro, Amarílis _disse o Enrico_ nem na Copa foi desse jeito. Nem na Copa!
E eu olhava ao redor sem acreditar.
Sim, porque eu já acreditei.
Já acreditei muito, muito mesmo.

Em 1989, eu acreditei.
Em 1992, eu acreditei de novo.
E em 1996, de novo.
Mas já sem tanta força.
Se não foi em 89, eu pensava... não é mais.
O momento passou.
A festa acabou.
A luz apagou.
"E agora, José?"

E agora que a luz acendeu.
E eu me vi no meio da festa e as pessoas pulando e vibrando ao meu redor com uma esperança que eu julgava perdida.
Perdida nos outros.
Perdida em mim _confesso.
Olhando para a bandeira vermelha que tremulava à minha frente, eu misturava à alegria, a dúvida:
Será?
Será que desta vez vai ser melhor mesmo?
Será que desta vez a gente consegue?
Será que dá pra ser diferente?
Será?

E a multidão respondeu cantando assim:
É só você querer
e amanhã assim será
bote fé e diga Lula
bote fé e diga Lula
eu quero Lula


Enxuguei o canto dos olhos com a blusa.
E, mais uma vez, escolhi acreditar.
E eu fui a 10.000ª pessoa a entrar no meu blog!!!
Tinha um prêmio: ficou pra mim!
Tá, vai ter prêmio pro 10.001º também.
:)
Cafajeste
Eu sou besta e fico envergonhada. Mas ele pediu pra botar o link, então tá.
;-)
---> Aqui

segunda-feira, novembro 11, 2002

Pausa nos posts sobre o Rio de Janeiro para o...

MOMENTO SÃO PAULO
Tema de hoje: ônibus


1.
Dois ônibus com o mesmo nome e itinerários diferentes.
Minha amiga sobe em um deles.
Era o ônibus errado.
Claro...
Até aqui tudo conforme as leis da natureza.
O bom foi o que veio depois.

Minha amiga sobe no outro ônibus.
Passa um tempinho, o motorista vira pra ela e pergunta:
- Minha filha, é aqui que eu dobro à esquerda?
!
! ! !
- Hahahahahahhhhhhhahaha!!!!!
Ele indignado:
- Que é isso, menina? É que a primeira vez que eu faço essa linha!
- Mas é a primeira vez que eu pego esse ônibus também!

E lá ficaram eles, rodando enlouquecidamente no ônibus, perdidos pelas ruas de São Paulo...

2.
Aí um amigo meu está no ônibus e sobe um vendedor ambulante.
Até aqui, tudo bem.
O vendedor vai para a sua marca, o refletor acende e ele começa:
"Eu não sei falar.
Eu não sei cantar.
Eu só sei latir:
Cada Halls é um real!"

Captou o trocadilho, captou?
Nossa, o povo brasileiro é muito criativo...





quinta-feira, novembro 07, 2002





E hoje é dia de parabéns para uma
das minhas melhores amigas.
Mari, muitas felicidades.
Eu adoro você.
Ílis

quarta-feira, novembro 06, 2002




Ok, queridos, são dez horas da noite e onde eu estou?
No trabalho.
E em vez de ir pra casa, tomar um banho quente e me enfiar embaixo das cobertas para acordar às cinco da manhã porque eu tenho que fazer uma matéria lá na periferia às sete, o que eu vou fazer?
Isso mesmo: atualizar o Moshi Moshi.
Viu como eu amo vocês?

E considerando-se que eu também estou de TPM e que minha meia-calça preta chiquérrima acabou de desfiar, vocês hão de convir: eu amo vocês muuito mesmo.

Vamos lá.

"Das aventuras de uma jaboticabalense criada com doce de buriti no meio do Piauí passando pelas terras de padim Ciço pra se adeslumbrar na capital do império"
Parte III

ou
Feitiço da Vila

Onde eu estava mesmo?
Ah, sim... (agora vocês imaginam aquela fumacinha de flashback, tá?)
...eu estava caminhando quando, sob meus pés, começaram a aparecer notas musicais.

Pisa aqui e toca "Feitiço da Vila".
Pula a clave, rodopia sobre o sustenido, corre no ritmo das colcheias e a melodia muda.
Só aguçar os ouvidos. Das pedrinhas brancas e negras vem assim:

"Meu coração
não sei por que
bate feliz quando te vê
e os meus olhos ficam sorrindo
e pelas ruas
vão te seguindo
mas mesmo assim...
foges de mim"


Não fuja, menina!
Mas que fazer?
Há tanto que se ver nessa cidade!
E os meninos já me chamam do outro lado da rua: "Vamos pro barracão da Vila Isabel!"

Eu vou - mulher não paga - eba!
Em tempos de liseira - ou seja, forever - não tem programa melhor.
Cruzamos o portão estreito e... por onde começar?
pelas centenas de pessoas meninos negros sem camisa sorriso branco meninas mulatas mulheres sambando cheirinho de churrasco criança correndo os amigos do meu amigo que me abraçam eu sou o fulano eu sou o sicrano você quer uma cerveja?
Não.

Comece assim:
silêncio
batida
silêncio
batida
silêncio
(a bateria se prepara, baquetas ao alto, respiração suspensa...)
silêncio

TUMTISTUMTUMTISTUM
TUM TUM TUM
TUMTUM TUMTUM
TUMTISTUMTUMTISTUM
TUM TUM TUM
TUMTUM TUMTUM


Parece que foi seu coração que saltou, carnavalesco, pulou pela boca e quis gritar todo o amor guardado, o amor cansado, o amor vencido e _teimoso_ a esperança de amar:
TUM TUM TUM!

E nem adianta querer guardá-lo, constrangido: "você desculpe esse meu coração, assim, tão oferecido..." - que ele já está lá, no meio da multidão, dançando entre os pés do mestre sala, pulsando no peito da porta-bandeira, vibrando no ritmo dos quadris dos sambistas.

E eu lá, muito paulista, com meus dois dedinhos pra cima:
"Atravessando o deserto do Sahara
O sol estava quente e queimou a minha cara
Alalaô - ôoôoô"

Peço um churrasquinho, peço uma cervejinha.
Tá bom demais.

Meu amigo ri: "deixa disso, vem sambar".
Eeeuuu?

Tá, quem me viu requebrando o esqueleto e sacudindo a cabeça no Sambão da Crocobeach pode até dizer:"mas você sabe sambar!"

Mas é que nem uma amiga minha, nome fictício Waldinete, que quando foi pro Japão o pessoal disse logo assim:
"você é brasileira? então samba pra gente!"
... e a Wal com aquele jeito dela "não... que é isso..."
"Samba! Samba! Samba!"
"não..."
"Samba! Samba! Samba!"

Pedidos fervorosos aos quais, depois do terceiro ou quarto copo tudo o que vier eu topo tudo o que vier vem bem, Waldinete resolveu atender. Motivo pelo qual certa parte da população de Tóquio até hoje acha que colocar a bunda pra direita, entortar a cabeça pra esquerda, dar dois pulinhos e cair da mesa são passos do mais autêntico samba brasileiro.

Já eu, lá em Fortaleza, também conseguia enganar a audiência.
Mas no Rio?
Onde as pessoas que não sabem sambar representam exatamente 0,00001% da população!
E logo onde: na Vila Isabel?
O povo de lá parece que não tem as juntas!
Dobra pra cá - dobra pra lá - requebra de cima a baixo - um absurdo!

Mas como é de micos que se vive a vida, resolvi entrar na roda.Dobrei os joelhos, entortei a cabeça, tentei imitar a menina na minha frente...
Aquelas cenas ridículas que você pode imaginar.
Com direito a um breve revival dos passos que eu aprendi quando fazia aula de jazz - um dois três virou!

Pula daqui, pula dali, suando em bicas, a sedentária já estava pra ter um enfarte quando o coração resolveu colaborar.
Voltou pro peito e disse assim:
"vai, nega, se afobe não, é só seguir o ritmo - olha só: tumtum... tumtum... tumtum... tumtum..."

E vai sumindo a multidão, vai sumindo o mestre sala, a porta bandeira, o cheirinho de churrasco... até que tudo é só o batuque do coração... a respiração... o bocejo... e a gente acorda.
- Enrico, acorda, olha que horas são!

Domingo, 27 de outubro, 11 horas da manhã.
Tomo banho, escovo os dentes, abro a mala cantarolando Noel:
"com que roupa que eu vou?"

Escolho uma blusinha branca, que comprei justamente para esse dia.
Ela tem uma estrela vermelha desenhada e, sobre a estrela, a frase:
"Agora é a nossa vez".

segunda-feira, novembro 04, 2002

Na terça-feira eu hei de atualizar esse blog.
Promessa é dívida!
:)

Mas enquanto isso, uma dica:

...até que, na calçada sob os meus pés, começaram a aparecer notas musicais. E à medida que eu caminhava, ia surgindo a seguinte canção:

Quem nasce lá na Vila
Nem sequer vacila
Ao abraçar o samba
Que faz dançar os galhos do arvoredo
E faz a lua nascer mais cedo
Lá em Vila Isabel quem é bacharel
Não tem medo de bamba
São Paulo dá café,
Minas dá leite
E a Vila Isabel
Dá samba...