terça-feira, dezembro 30, 2003
quinta-feira, dezembro 25, 2003
domingo, dezembro 21, 2003
O feitiço de Áquila
Vocês já viram aquele filme chamado "O feitiço de Áquila"?
Eu não.
Mas eu sei como é porque já me contaram a história: a moça e o rapaz se apaixonam, vem a bruxa, transforma ele nisso, ela naquilo outro. Acho que ela passa o dia como águia e ele, a noite como lobo. Algo assim.
Aí o único momento em que os dois podem se ver e tocar desencantados é no amanhecer, ou seria no entardecer? Não sei e não importa, o que interessa nesse post é que eu estou vivendo a própria "Crise de Áquila".
Nesse remake, o "feitiço" é a gente ter nascido no Brasil, estudado Jornalismo em vez de Direito e mudado para Workaholic City.
Nessa sina, a princesa não vira águia, mas é obrigada a chegar no trabalho às 8h da madrugada às segundas, quartas e sextas.
Às terças e quintas, o castigo é maior: acordar às 6h, sair de casa às 6h30, pegar um metrô até a estação da Sé, ao chegar lá, distribuir três murros, dois chutes e quatro safanões para conseguir integrar o privilegiado time dos que conseguem entrar no trem para o Paraíso, viajar feito uma sardinha enlatada, aguentando aquele belo bafo na nuca e colecionando pisadas no pé, descer no Paraíso, pegar outro metrô, saltar na Consolação, entrar na fila para a escada rolante (é sério!) para chegar às 7h30 no curso de inglês e ouvir de todos que você está com uma cara terrible.
Às dez, voltar pelo mesmo percurso para ir ao francês e ao meio-dia, entrar no trabalho.
Fim do expediente: ho ho ho _faz-me rir.
Como o príncipe não picou alho na tábua dos dez mandamentos nem jogou pedra na cruz, sua sina é mais leve e ele entra no trabalho somente ao meio-dia.
Em compensação, várias vezes por semana precisa trabalhar até 1h, 2h, 3h da madrugada.
Aí resolve esticar a noite num bar com os amigos pois pode dormir depois a manhã inteira e fica bravo com a princesa, que acorda entre 6h e 7h30 e não pode acompanhá-lo.
Tipo: "ai, que saco, a gente nunca sai", "ai, que saco, você está sempre cansada", "ai, que saco, você podia faltar nesse inglês amanhã".
Ou volta para casa e decide que este é um ótimo momento para iniciar conversas do tipo "e aí, amor, como foi seu dia?". Tipo:
- E aí, amor, como foi seu dia?
- Hein? _detalhe no travesseiro babado.
- O meu foi legal, o chefe disse que aquele trabalho ficou super bom.
- Ahn? _ela tateia no escuro, buscando o despertador.
- Aí eu sugeri uma pauta para a próxima semana.
- ...são duas horas da manhã...
- Pensei em entrevistar aquele escritor, sabe? Ele acabou de lançar um livro. O fulano leu, disse que é o melhor de todos.
- ...são duas horas...
- Gostaram da pauta, o problema agora é o prazo, querem para a próxima semana, e se o escritor não puder?
- Amor!
- Quê?
- ... eu sei que é importante pra ti e eu dou o maior apoio, mas é que eu levando daqui a duas horas...
- Mas eu já estou terminando de contar!
- ... eu tô exausta, morrendo de sono...
- É rapidinho! Ouve só: aí eu telefonei pra ele para agendar tudo...
- ...ai que saco...
Variações possíveis sobre o mesmo tema:
- Ele liga às 23h30 e a princesa aceita ir jantar com ele e a turma do trabalho. Aí eles pegam um metrô até a Sé, e outro metrô até o Paraíso, e outro metrô até a Consolação para chegar lá, pagar R$ 25 por um prato de nhoque e voltar a pé para casa para chegar às 2h de uma quinta-feira.
- Ele liga à meia noite e vinte, chama a princesa para ir a um bar, ela diz que não pode.
Ele alega que o dia seguinte é sábado.
Ela alega que está de plantão e entra às 9h30 (afinal, desgraça pouca é bobagem).
Ele diz que vai sozinho.
Ela não diz que já está cansada desse feitiço de Áquila no qual ambos só se vêem quando ele chega do trabalho e dá um beijo de boa-noite ou quando ela levanta para ir ao trabalho e dá um beijo de bom-dia.
Deveria dizer, mas não diz...
E fica pensando que mais noite menos noite ele vai encontrar uma sirigaita metida a engraçadinha numa dessas festas que vai falar "ah, porque eu sou uma pessoa tipo assim, sabe, que vive o momento, entende? é tipo assim a minha a-ti-tu-de."
E quando o príncipe chega, às 6h da manhã, ela está tão zangada que para não armar uma briga resolve levantar, lavar roupa, lavar a louça e depois assistir na tv um episódio "inédito" do sucesso "O homem de seis milhões de dólares" comendo chocolate e se sentindo péssima.
Houston, we have a problem.
O que fazer? Ela decide apelar para a magia também.
Compra um kit anti-feitiço: livro, caldeirão e saquinho de sal grosso por R$ 9,99.
A receita é simples: no último dia do ano, vá ao salão de beleza e peça serviço completo, com direito a massagem, trato no cabelo, unhas etc. Vá a uma loja legal e compre o vestido mais lindo e maravilhoso que puder. Vá a uma delicatessen e compre o vinho favorito dele, além de champagne e outras coisinhas gostosas. Leve-o para a festa mais legal do planeta, dance, abrace, encha-o de beijos, mostre como gosta de se divertir com ele.
E quando começar a contagem regressiva para a virada...
DEZ, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1...
... acorde e se lembre que você é a grande sortuda escolhida para trabalhar na noite de Réveillon, cobrindo a festa na avenida Paulista.
Quer mais? Com show dos Raimundos e do Gabriel, o "Pensador".
- Garçom, tem cicuta? Obrigada.
Vocês já viram aquele filme chamado "O feitiço de Áquila"?
Eu não.
Mas eu sei como é porque já me contaram a história: a moça e o rapaz se apaixonam, vem a bruxa, transforma ele nisso, ela naquilo outro. Acho que ela passa o dia como águia e ele, a noite como lobo. Algo assim.
Aí o único momento em que os dois podem se ver e tocar desencantados é no amanhecer, ou seria no entardecer? Não sei e não importa, o que interessa nesse post é que eu estou vivendo a própria "Crise de Áquila".
Nesse remake, o "feitiço" é a gente ter nascido no Brasil, estudado Jornalismo em vez de Direito e mudado para Workaholic City.
Nessa sina, a princesa não vira águia, mas é obrigada a chegar no trabalho às 8h da madrugada às segundas, quartas e sextas.
Às terças e quintas, o castigo é maior: acordar às 6h, sair de casa às 6h30, pegar um metrô até a estação da Sé, ao chegar lá, distribuir três murros, dois chutes e quatro safanões para conseguir integrar o privilegiado time dos que conseguem entrar no trem para o Paraíso, viajar feito uma sardinha enlatada, aguentando aquele belo bafo na nuca e colecionando pisadas no pé, descer no Paraíso, pegar outro metrô, saltar na Consolação, entrar na fila para a escada rolante (é sério!) para chegar às 7h30 no curso de inglês e ouvir de todos que você está com uma cara terrible.
Às dez, voltar pelo mesmo percurso para ir ao francês e ao meio-dia, entrar no trabalho.
Fim do expediente: ho ho ho _faz-me rir.
Como o príncipe não picou alho na tábua dos dez mandamentos nem jogou pedra na cruz, sua sina é mais leve e ele entra no trabalho somente ao meio-dia.
Em compensação, várias vezes por semana precisa trabalhar até 1h, 2h, 3h da madrugada.
Aí resolve esticar a noite num bar com os amigos pois pode dormir depois a manhã inteira e fica bravo com a princesa, que acorda entre 6h e 7h30 e não pode acompanhá-lo.
Tipo: "ai, que saco, a gente nunca sai", "ai, que saco, você está sempre cansada", "ai, que saco, você podia faltar nesse inglês amanhã".
Ou volta para casa e decide que este é um ótimo momento para iniciar conversas do tipo "e aí, amor, como foi seu dia?". Tipo:
- E aí, amor, como foi seu dia?
- Hein? _detalhe no travesseiro babado.
- O meu foi legal, o chefe disse que aquele trabalho ficou super bom.
- Ahn? _ela tateia no escuro, buscando o despertador.
- Aí eu sugeri uma pauta para a próxima semana.
- ...são duas horas da manhã...
- Pensei em entrevistar aquele escritor, sabe? Ele acabou de lançar um livro. O fulano leu, disse que é o melhor de todos.
- ...são duas horas...
- Gostaram da pauta, o problema agora é o prazo, querem para a próxima semana, e se o escritor não puder?
- Amor!
- Quê?
- ... eu sei que é importante pra ti e eu dou o maior apoio, mas é que eu levando daqui a duas horas...
- Mas eu já estou terminando de contar!
- ... eu tô exausta, morrendo de sono...
- É rapidinho! Ouve só: aí eu telefonei pra ele para agendar tudo...
- ...ai que saco...
Variações possíveis sobre o mesmo tema:
- Ele liga às 23h30 e a princesa aceita ir jantar com ele e a turma do trabalho. Aí eles pegam um metrô até a Sé, e outro metrô até o Paraíso, e outro metrô até a Consolação para chegar lá, pagar R$ 25 por um prato de nhoque e voltar a pé para casa para chegar às 2h de uma quinta-feira.
- Ele liga à meia noite e vinte, chama a princesa para ir a um bar, ela diz que não pode.
Ele alega que o dia seguinte é sábado.
Ela alega que está de plantão e entra às 9h30 (afinal, desgraça pouca é bobagem).
Ele diz que vai sozinho.
Ela não diz que já está cansada desse feitiço de Áquila no qual ambos só se vêem quando ele chega do trabalho e dá um beijo de boa-noite ou quando ela levanta para ir ao trabalho e dá um beijo de bom-dia.
Deveria dizer, mas não diz...
E fica pensando que mais noite menos noite ele vai encontrar uma sirigaita metida a engraçadinha numa dessas festas que vai falar "ah, porque eu sou uma pessoa tipo assim, sabe, que vive o momento, entende? é tipo assim a minha a-ti-tu-de."
E quando o príncipe chega, às 6h da manhã, ela está tão zangada que para não armar uma briga resolve levantar, lavar roupa, lavar a louça e depois assistir na tv um episódio "inédito" do sucesso "O homem de seis milhões de dólares" comendo chocolate e se sentindo péssima.
Houston, we have a problem.
O que fazer? Ela decide apelar para a magia também.
Compra um kit anti-feitiço: livro, caldeirão e saquinho de sal grosso por R$ 9,99.
A receita é simples: no último dia do ano, vá ao salão de beleza e peça serviço completo, com direito a massagem, trato no cabelo, unhas etc. Vá a uma loja legal e compre o vestido mais lindo e maravilhoso que puder. Vá a uma delicatessen e compre o vinho favorito dele, além de champagne e outras coisinhas gostosas. Leve-o para a festa mais legal do planeta, dance, abrace, encha-o de beijos, mostre como gosta de se divertir com ele.
E quando começar a contagem regressiva para a virada...
DEZ, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1...
... acorde e se lembre que você é a grande sortuda escolhida para trabalhar na noite de Réveillon, cobrindo a festa na avenida Paulista.
Quer mais? Com show dos Raimundos e do Gabriel, o "Pensador".
- Garçom, tem cicuta? Obrigada.
segunda-feira, dezembro 15, 2003
Felicidade
Decidimos descer pra Santos.
Era quase meio dia.
Às seis, estava em um bar de madeira, sentindo as ondas quebrarem sob meus pés, vendo passar ao nosso lado um transatlântico.
Fogos de artifício estourando no céu.
Acenamos.
O sol se pôs.
Pensei, surpresa:
como é fácil.
Decidimos descer pra Santos.
Era quase meio dia.
Às seis, estava em um bar de madeira, sentindo as ondas quebrarem sob meus pés, vendo passar ao nosso lado um transatlântico.
Fogos de artifício estourando no céu.
Acenamos.
O sol se pôs.
Pensei, surpresa:
como é fácil.
sexta-feira, dezembro 12, 2003
Tragédias da vida doméstica
Liguei pro meu chefe, às 9h:
- Desculpa. Eu tive um problema doméstico, chegarei um pouco atrasada.
- Que problema? _ele perguntou.
- É uma longa história...
Tudo começou quando eu, num momento de sorte _ou azar_ fui contemplada (enfim!) com o kit natalino da empresa. E voltei para casa feliz e satisfeita com meu gordo peru congelado, que foi fazer companhia sobre a mesa da cozinha a outro gordo peru congelado _pertencente ao kit natalino do Mr. namorado.
Criava-se um impasse: como fazer os dois gordos perus congelados entrarem no congelador?
Não se trata, como pode supor o leitor neste momento, de um congelador tão pequeno assim.
Havia, neste congelador, um terceiro peru. Ou, talvez seja melhor dizer, uma múmia de peru, visto que ali está hospedado desde dezembro do ano passado.
Não podemos jogá-lo fora, porém, pois o terceiro morador da casa afirma que ele ainda está no prazo de validade e um dia irá comê-lo.
Enfim, vislumbramos uma solução.
Era a seguinte: o congelador estava bem dizer uma miniatura do Alaska _o peru Mun-Rá (o ser eterno) com certeza usava as salsichas como esqui assim que fechávamos a porta...
Audazes e confiantes, decidimos enfrentar aquela exuberância da natureza e empreender uma aventura até então inédita para ambos.
- Vamos arrancar esses blocos de gelo! _gritei!
O namorado concordou com a cabeça. A sorte estava lançada.
Com uma colher de pau, comecei a lutar contra o gelo.
Pá - pá - pá!
A primeira camada, de "neve", até que saiu com relativa facilidade.
Eu recolhia a neve num tapperware, que de tempos em tempos era esvaziado na pia. Em pouco tempo, a pia estava completamente branca.
Mas logo chegamos a uma camada de gelo formada em priscas eras, dura, resistente, contra a qual pouco podia a minha valente colher de pau.
Cansada, com os dedos vermelhos de frio, pensei em desistir.
O namorado trouxe uma idéia arriscada.
- Vamos usar a faca!
Discordei.
- Pode ser perigoso, amor.
- Confie em mim.
Diante de seu olhar másculo e heróico, confiei.
Ele fincou a ponta do aço no gelo, pressionou a faca, a camada trincou. Olhei preocupada para meu alpinista de geladeira. Ele fez mais força e um grande bloco de gelo voou para o chão.
Estávamos no rumo certo.
Ele voltou a bater a faca no gelo.
- Proteja os olhos _avisou_ não deve existir nenhum jeito mais ridículo de ficar cega.
Afastei-me, levando comigo o pinguim que, com o impacto dos golpes no gelo, já ameaçava cair no chão.
Revezamos. Eu batia a faca no gelo, arrancando pedaços consideráveis, mas ainda insignificantes diante daquele iceberg.
- Tome, use esse martelo _sugeriu o namorado, que enfim encontrou uma utilidade para a única ferramenta que temos em casa (numa tentativa baixa, creio eu, de me convencer da grande vantagem que seria ganhar uma caixa de ferramentas no Natal).
O martelo, contudo, mostrou-se realmente útil.
Batendo com ele no cabo da faca, conseguia provocar rachaduras nunca antes imaginadas.
Quando, num golpe mais forte... Ffffssssshhhhhh....
Um gás de cheiro forte escapa do congelador com toda a pressão.
- VAI EXPLODIR, SOCORRROOOOOO!!!!!
- AAAAAHHHHHH!!!!!
Corremos pra sala.
- E agora, o que a gente faz, o que?
Corri pra cozinha, coloquei o dedo sobre o buraco.
- Tira da tomada! Tira da tomada!
- Tirei!
- Liga pra Brastemp! Liga pra Brastemp!
- Mas a marca é Consul!
- Liga pra Consul! Liga pra Consul!
- A Consul não existe mais!!!
- PORRA!!! Coloca o dedo aqui que eu vou ligar.
Liguei pra Consul, liguei pra Brastemp, ninguém atendia. Liguei pra minha mãe para chorar e perguntar o que a gente faz quando estoura o encanamento da geladeira e a gente acha que vai morrer. Ia ligar pros Bombeiros quando o namorado chega.
- O gás parou de sair.
Voltamos à cozinha, ressabiados.
O congelador negro e ainda coberto de gelo nos lembrava, assim como aos antigos exploradores em busca do Pólo Sul, o quanto é perigoso brincar com o desconhecido.
Confirmamos que o gás realmente havia parado de sair e fomos para o quarto.
Os dois perus permaneceram fora da geladeira.
- Pode contar _insistiu meu chefe.
- Bem, eu fui tirar gelo do congelador ontem...
- Já sei, resolveu tirar com uma faca.
- É.
- E furou o encanamento.
- Foi.
- E saiu um gás com cheiro forte.
- Sim.
- E sua geladeira estragou.
- Isso mesmo. (Será que meu chefe anda lendo esse blog?)
Na verdade, ele já havia passado por isso e deu a dica. Chamamos um técnico, que soldou o local dos furos e reabasteceu a geladeira com gás.
O preju: R$ 150.
Pelo menos agora os três perus estão sãos e salvos.
E, crianças, não tentem fazer isso em casa.
Liguei pro meu chefe, às 9h:
- Desculpa. Eu tive um problema doméstico, chegarei um pouco atrasada.
- Que problema? _ele perguntou.
- É uma longa história...
Tudo começou quando eu, num momento de sorte _ou azar_ fui contemplada (enfim!) com o kit natalino da empresa. E voltei para casa feliz e satisfeita com meu gordo peru congelado, que foi fazer companhia sobre a mesa da cozinha a outro gordo peru congelado _pertencente ao kit natalino do Mr. namorado.
Criava-se um impasse: como fazer os dois gordos perus congelados entrarem no congelador?
Não se trata, como pode supor o leitor neste momento, de um congelador tão pequeno assim.
Havia, neste congelador, um terceiro peru. Ou, talvez seja melhor dizer, uma múmia de peru, visto que ali está hospedado desde dezembro do ano passado.
Não podemos jogá-lo fora, porém, pois o terceiro morador da casa afirma que ele ainda está no prazo de validade e um dia irá comê-lo.
Enfim, vislumbramos uma solução.
Era a seguinte: o congelador estava bem dizer uma miniatura do Alaska _o peru Mun-Rá (o ser eterno) com certeza usava as salsichas como esqui assim que fechávamos a porta...
Audazes e confiantes, decidimos enfrentar aquela exuberância da natureza e empreender uma aventura até então inédita para ambos.
- Vamos arrancar esses blocos de gelo! _gritei!
O namorado concordou com a cabeça. A sorte estava lançada.
Com uma colher de pau, comecei a lutar contra o gelo.
Pá - pá - pá!
A primeira camada, de "neve", até que saiu com relativa facilidade.
Eu recolhia a neve num tapperware, que de tempos em tempos era esvaziado na pia. Em pouco tempo, a pia estava completamente branca.
Mas logo chegamos a uma camada de gelo formada em priscas eras, dura, resistente, contra a qual pouco podia a minha valente colher de pau.
Cansada, com os dedos vermelhos de frio, pensei em desistir.
O namorado trouxe uma idéia arriscada.
- Vamos usar a faca!
Discordei.
- Pode ser perigoso, amor.
- Confie em mim.
Diante de seu olhar másculo e heróico, confiei.
Ele fincou a ponta do aço no gelo, pressionou a faca, a camada trincou. Olhei preocupada para meu alpinista de geladeira. Ele fez mais força e um grande bloco de gelo voou para o chão.
Estávamos no rumo certo.
Ele voltou a bater a faca no gelo.
- Proteja os olhos _avisou_ não deve existir nenhum jeito mais ridículo de ficar cega.
Afastei-me, levando comigo o pinguim que, com o impacto dos golpes no gelo, já ameaçava cair no chão.
Revezamos. Eu batia a faca no gelo, arrancando pedaços consideráveis, mas ainda insignificantes diante daquele iceberg.
- Tome, use esse martelo _sugeriu o namorado, que enfim encontrou uma utilidade para a única ferramenta que temos em casa (numa tentativa baixa, creio eu, de me convencer da grande vantagem que seria ganhar uma caixa de ferramentas no Natal).
O martelo, contudo, mostrou-se realmente útil.
Batendo com ele no cabo da faca, conseguia provocar rachaduras nunca antes imaginadas.
Quando, num golpe mais forte... Ffffssssshhhhhh....
Um gás de cheiro forte escapa do congelador com toda a pressão.
- VAI EXPLODIR, SOCORRROOOOOO!!!!!
- AAAAAHHHHHH!!!!!
Corremos pra sala.
- E agora, o que a gente faz, o que?
Corri pra cozinha, coloquei o dedo sobre o buraco.
- Tira da tomada! Tira da tomada!
- Tirei!
- Liga pra Brastemp! Liga pra Brastemp!
- Mas a marca é Consul!
- Liga pra Consul! Liga pra Consul!
- A Consul não existe mais!!!
- PORRA!!! Coloca o dedo aqui que eu vou ligar.
Liguei pra Consul, liguei pra Brastemp, ninguém atendia. Liguei pra minha mãe para chorar e perguntar o que a gente faz quando estoura o encanamento da geladeira e a gente acha que vai morrer. Ia ligar pros Bombeiros quando o namorado chega.
- O gás parou de sair.
Voltamos à cozinha, ressabiados.
O congelador negro e ainda coberto de gelo nos lembrava, assim como aos antigos exploradores em busca do Pólo Sul, o quanto é perigoso brincar com o desconhecido.
Confirmamos que o gás realmente havia parado de sair e fomos para o quarto.
Os dois perus permaneceram fora da geladeira.
- Pode contar _insistiu meu chefe.
- Bem, eu fui tirar gelo do congelador ontem...
- Já sei, resolveu tirar com uma faca.
- É.
- E furou o encanamento.
- Foi.
- E saiu um gás com cheiro forte.
- Sim.
- E sua geladeira estragou.
- Isso mesmo. (Será que meu chefe anda lendo esse blog?)
Na verdade, ele já havia passado por isso e deu a dica. Chamamos um técnico, que soldou o local dos furos e reabasteceu a geladeira com gás.
O preju: R$ 150.
Pelo menos agora os três perus estão sãos e salvos.
E, crianças, não tentem fazer isso em casa.
quinta-feira, dezembro 11, 2003
Meninos e Meninas
Deitado ao meu lado na cama, olhando pro céu, e me consolando dessas minhas crises de angústia e choro apertado que volta e meia tenho, quando penso nessas tantas e tantas e tantas situações sufocantes ao redor, meu namorado comenta:
- E quem diria que na nossa idade Legião Urbana voltaria a fazer sentido?
Puta que pariu... É verdade...
quero me encontrar mas não sei onde estou.
vem comigo procurar um lugar mais calmo.
longe dessa confusão e dessa gente que não se respeita.
tenho quase certeza que eu não sou daqui.
acho que eu não gosto de São Paulo
vai ver que é assim mesmo e vai ser assim pra sempre.
...vai ficando complicado e ao mesmo tempo diferente...
ESTOU CANSADO DE BATER
E NINGUÉM ABRIR
não é a vida como está e sim as coisas como são.
a culpa é de quem?
Preciso de oxigênio.
Preciso ter amigos.
Preciso ter dinheiro.
Preciso de carinho.
São tudo pequenas coisas.
E tudo deve passar.
Deitado ao meu lado na cama, olhando pro céu, e me consolando dessas minhas crises de angústia e choro apertado que volta e meia tenho, quando penso nessas tantas e tantas e tantas situações sufocantes ao redor, meu namorado comenta:
- E quem diria que na nossa idade Legião Urbana voltaria a fazer sentido?
Puta que pariu... É verdade...
quero me encontrar mas não sei onde estou.
vem comigo procurar um lugar mais calmo.
longe dessa confusão e dessa gente que não se respeita.
tenho quase certeza que eu não sou daqui.
acho que eu não gosto de São Paulo
vai ver que é assim mesmo e vai ser assim pra sempre.
...vai ficando complicado e ao mesmo tempo diferente...
ESTOU CANSADO DE BATER
E NINGUÉM ABRIR
não é a vida como está e sim as coisas como são.
a culpa é de quem?
Preciso de oxigênio.
Preciso ter amigos.
Preciso ter dinheiro.
Preciso de carinho.
São tudo pequenas coisas.
E tudo deve passar.
terça-feira, dezembro 09, 2003
TPN ou Tensão Pré Natal
Cá estou de volta, com meu lencinho na cabeça e espanhador na mão para limpar as teias de aranha deste blog.
E para agradecer às pessoas que, inexplicavelmente, têm mantido a média de visitação do moshi em torno de 50 por dia. Eu realmente não entendo o motivo de tanta perseverança mas, bem, sejam bem-vindos a mais um novo post.
Dessa vez não tão bem humorado pois estou no auge da minha TPN.
Começa que hoje está acontecendo a festinha da fiRRRRma.
Não fui, estou no jornal _e é quase meia-noite.
Despeito a parte, pois eu até pensei em ir, sei que festinhas de fim de ano da empresa são sempre uma chatice...
Ainda hoje me lembro aquele momento comovente em que, ao morder um bolinho de queijo numa dessas festas, descobri que o acepipe era, na verdade, um ovo de codorna empanado.
Como diria minha irmã: chique no último.
Aí a bebida é quente, a música é chata, e a única parte válida _ainda assim, a posteriori_ é ver seus colegas na hora do almoço imitando o chefe dançando ou cantando "Conceição".
E aí eu vou ser a única que não vai rir pois não pude ir na bendita festa por ter prova de inglês às 7h30 da manhã do dia seguinte _coisa que nenhum cristão merece.
Depois a turma do RH inventa de ser simpática e distribuir comidinhas para todos. Claro que, na atual situação de penúria econômica do país, a fila é enorme. E, no ano passado, depois de passar meia-hora em pé sorrindo para todos funcionários que saem abraçados com um gordo peru congelado, sou obrigada a ouvir a moça dizer para mim:
- Seu nome não está na lista.
- Mas...
- Próximo!
- Mas... por favor, não dá para olhar de novo?
(cara de tédio...)
- Amarildes, Amatildes, Abgarildes... Desculpe, meu beeem seu nome não está na lista.
- Mas...
- Você é contratada?
- Não, na verdade eu...
- Freela não tem direito. Próximo.
Assim como, por ser freela, não tenho acesso ao salvador dos pobres e oprimidos, também chamado de "décimo terceiro"...
Humilhation total.
Fora as matérias sobre o RAPA mostrando serviço sobre os camelôs o que obriga você a ir até o miolo da muvuca num dia de chuva ver se a plebe não reage com uns golpes de pinheiros na cabeça dos fiscais e as matérias sobre a inflação das lampadinhas piscantes e as matérias sobre a decoração de Natal de um banco com artigos reciclados...
Depois vem a emocionante notícia de que você vai trabalhar no Reveillon.
Claro! Afinal, todos vocês não estão ansiosos para saber quem será o primeiro bebê brasileiro de 2004?!
E para dar aquele tchan no astral, lá vem o fulano com um monte de papeizinhos dobrados para o amigo secreto. De onde eu sempre saio com uma camisa de oncinha, com um anjo de gesso ou com um CD da Simone cantando a oitava versão de "então é Natal, e o que você fez, o ano termina, e começa outra vez..."
E dá-lhe uva passa em todos pratos possíveis. Feijão com uva passa. Macarrão com uva passa. Sarapateu com uva passa. Ovo frito com uva passa.
Diante da minha cara de sócia fundadora da associação humanitária "eu detesto uva passa".
Junte-se a todos esses problemas concretos mais duas sacolas de neuras como "qual o sentido da vida?", "o que eu fiz de bom esse ano?", "quais são minhas metas para o futuro?", "para onde a humanidade está indo?" e pronto... lá se vão dois engradados de Cidra Cereser e rios de lágrimas diante da televisão, vendo o Reveião do Faustão e pensando por que todas as pessoas do mundo parecem estar felizes e confiantes e bem resolvidas e eu me sentindo a própria Bridget Jones ouvindo "All by myself", sendo que eu também não gosto de "All by myself".
Cá estou de volta, com meu lencinho na cabeça e espanhador na mão para limpar as teias de aranha deste blog.
E para agradecer às pessoas que, inexplicavelmente, têm mantido a média de visitação do moshi em torno de 50 por dia. Eu realmente não entendo o motivo de tanta perseverança mas, bem, sejam bem-vindos a mais um novo post.
Dessa vez não tão bem humorado pois estou no auge da minha TPN.
Começa que hoje está acontecendo a festinha da fiRRRRma.
Não fui, estou no jornal _e é quase meia-noite.
Despeito a parte, pois eu até pensei em ir, sei que festinhas de fim de ano da empresa são sempre uma chatice...
Ainda hoje me lembro aquele momento comovente em que, ao morder um bolinho de queijo numa dessas festas, descobri que o acepipe era, na verdade, um ovo de codorna empanado.
Como diria minha irmã: chique no último.
Aí a bebida é quente, a música é chata, e a única parte válida _ainda assim, a posteriori_ é ver seus colegas na hora do almoço imitando o chefe dançando ou cantando "Conceição".
E aí eu vou ser a única que não vai rir pois não pude ir na bendita festa por ter prova de inglês às 7h30 da manhã do dia seguinte _coisa que nenhum cristão merece.
Depois a turma do RH inventa de ser simpática e distribuir comidinhas para todos. Claro que, na atual situação de penúria econômica do país, a fila é enorme. E, no ano passado, depois de passar meia-hora em pé sorrindo para todos funcionários que saem abraçados com um gordo peru congelado, sou obrigada a ouvir a moça dizer para mim:
- Seu nome não está na lista.
- Mas...
- Próximo!
- Mas... por favor, não dá para olhar de novo?
(cara de tédio...)
- Amarildes, Amatildes, Abgarildes... Desculpe, meu beeem seu nome não está na lista.
- Mas...
- Você é contratada?
- Não, na verdade eu...
- Freela não tem direito. Próximo.
Assim como, por ser freela, não tenho acesso ao salvador dos pobres e oprimidos, também chamado de "décimo terceiro"...
Humilhation total.
Fora as matérias sobre o RAPA mostrando serviço sobre os camelôs o que obriga você a ir até o miolo da muvuca num dia de chuva ver se a plebe não reage com uns golpes de pinheiros na cabeça dos fiscais e as matérias sobre a inflação das lampadinhas piscantes e as matérias sobre a decoração de Natal de um banco com artigos reciclados...
Depois vem a emocionante notícia de que você vai trabalhar no Reveillon.
Claro! Afinal, todos vocês não estão ansiosos para saber quem será o primeiro bebê brasileiro de 2004?!
E para dar aquele tchan no astral, lá vem o fulano com um monte de papeizinhos dobrados para o amigo secreto. De onde eu sempre saio com uma camisa de oncinha, com um anjo de gesso ou com um CD da Simone cantando a oitava versão de "então é Natal, e o que você fez, o ano termina, e começa outra vez..."
E dá-lhe uva passa em todos pratos possíveis. Feijão com uva passa. Macarrão com uva passa. Sarapateu com uva passa. Ovo frito com uva passa.
Diante da minha cara de sócia fundadora da associação humanitária "eu detesto uva passa".
Junte-se a todos esses problemas concretos mais duas sacolas de neuras como "qual o sentido da vida?", "o que eu fiz de bom esse ano?", "quais são minhas metas para o futuro?", "para onde a humanidade está indo?" e pronto... lá se vão dois engradados de Cidra Cereser e rios de lágrimas diante da televisão, vendo o Reveião do Faustão e pensando por que todas as pessoas do mundo parecem estar felizes e confiantes e bem resolvidas e eu me sentindo a própria Bridget Jones ouvindo "All by myself", sendo que eu também não gosto de "All by myself".