...estávamos no táxi eu e os três meninos.
O motorista ia bem, ou seja, dobrava à direita quando tinha que dobrar à direita, avançava um pouquinho no sinal vermelho, xingava os garotões que passavam cantando os pneus dos carros importados do pai, xingava o motorista que tentava ultrapassá-lo... Enfim, tudo dentro do esperado.
Parecia uma corrida normal.
Contou que era do Nordeste, lá do Alagoas, terra boa.
Ah, vocês são do Ceará?
Somos, seu Osvaldo.
É uma terra muito boa também. Fortaleza, não é?
Fortaleza.
Muito boa, uma cidade muito bonita.
Até que a certa altura da conversa, ele mencionou que estava vindo lá do outro lado da cidade, de uma festinha na casa de um amigo dele, onde tinha tobado ubas cato ou cico cervezinha mais eu tô bem, eu tô bem e cês são de onde besmo? Paraíba?
Ceará, seu Osvaldo, Ceará.
Masesse grandão aqui não é de Pernambuco?
Sou não.
Ói que é. Eu sô da Alagoas. Eu sou. Moro aqui...
Seu Osvaldo, olha o sinal, seu Osvaldo!
Juro, de uma hora pra outra o seu Osvaldo passou de sóbrio a completamente embréagado.
Taba numa vestinha na casa do Moreira. A batroa que vai fica brava né, aniversário da batroa.
Aniversário dela, seu Osvaldo?
Vô comprá flô... mulé gosta de flô, né? Cê gosta de flô, minha fia?
Eu gosto.
É do Ceará, né?
Sou, seu Osvaldo.
Fala aqui com ela.
E ele me passa o celular!
Com ela quem, seu Osvaldo?!
Ca batroa.
Mas qual é o nome dela?
Doutora Neide. Aniversário da doutora Neide.
- Alô? Alô?
- Alô?
- Alô?
- Quem fala?!
- É a Neide.
- Oi, dona Neide. Eu sou a Amarílis. Tô aqui no táxi do seu marido.
- Ah, ele disse! Vocês são do Ceará, não é? Ele disse que vocês são tudo gente boa.
- É... Obrigada... Bem... E ele disse que é seu aniversário hoje, dona Neide, é isso mesmo?
- É, minha filha. Os anos passam... a gente vai ficando velho, né?
- Mas o importante é ter saúde, né, dona Neide?
- Isso é verdade, minha flor. Mas você sabe que meu pai andou doente agora...
- Mas não me diga, dona Neide...
- Pois foi, minha filha, ele tá com uns problemas no sistema digestivo...
- Não me diga, dona Neide...
-Aí a gente precisou internar ele, sabe, para fazer um tratamento...
- NÃO ME DIGA, dona Neide. NÃO me diga!
NÃOOOOO!!!!!!!!!
Mas, sim, eu ouvi várias histórias sobre a família da dona Neide durante um boooom tempo até ela falar assim:
- Agora deixa aí eu falar com o meu tesouro.
- Seu Osvaldo, a doutora Neide quer falar com o senhor.
- Oi, minha princesa! O que? Sim. Tá. _aí ele passa o telefone pro Ricardo_ Ela quer falar com você.
- Comigo?
- É. _e enquanto o Ricardo começa a conversar com ela a gente vai ouvindo a conversa do seu Osvaldo._ Porque o Collor de Mello que melhorou esse país. Aí era um homem bom, tiraram.
- Seu Osvaldo... não é assim.
- É assim sim, meu filho. Eu fui lá no meu interior, lá em Alagoas, você não acredita! Não tem pobre! Os pobres tudo de carro importado!
- Olha o sinal, seu Osvaldo!
- Tô dizendo! Todo mundo de mansão... todo mundo rico lá em Alagoas. Vocês são de Sergipe, não é?
- Do Ceará, seu Osvaldo, do Ceará... E a dona Neide também é de lá?
- Não, a doutora é daqui. O avô dela era senador. Riquíssimo. A gente tem um monte de juiz aqui na mão. Na mão, aqui.
- Seu Osvaldo, segura o volante!
- Tudinho aí, obedece a família dela.
- Seu Osvaldo, a doutora Neide quer falar com você.
- Diga, minha princesa. Pois é, tudo gente boa. Legal demais. Ah, tá, espera um pouco. _e vira pro Tiago_ Agora ela quer falar com você.
- Comigo? Alô? Oi, doutora Neide... Feliz aniversário! Pois é... Aham... sei... é assim mesmo... entendo, doutora Neide... aham... Eu sei. O seu tesouro... sei... tá bom, doutora Neide. Pode deixar, doutora Neide... Sim, doutora Neide... Assim que ele deixar a gente na Vila Madalena ele volta direto pra casa.
E o seu Osvaldo quase dá um pulo:
- Ô meu filho, assim não! Pra casa, não! Pra casa, não!
Enfim, entre trancos e barrancos, chegamos ao nosso destino. Quase não conseguimos descer do carro, que o seu Osvaldo queria combinar o churrasco com a gente no dia seguinte. Já tava avisando a doutora Neide:
- Vai a turma aí em casa, um churrasquinho. Do Ceará. Tudo gente boa. Vocês gostam de coração de frango, não gostam?
- Seu Osvaldo, a gente tem que ir.
- Calma aí, calma aí, só pegar o endereço.
- O senhor já disse, seu Osvaldo.
- Disse?
- Disse.
- Então tá tudo combinado?
- Tudo combinado!
Saímos correndo com a sensação de termos participado de uma pegadinha do Gugu.
Ou de uma performance de um artista de vanguarda sobre as relações de amizade e solidão nas grandes metrópoles chamada "Movido a álcool" ou algo desse tipo.
Mas a noite ainda estava por começar...