Homens sensíveis
Já é a segunda amiga que eu sei que fez isso. Num momento de dor, ou justamente num momento de superação da dor, riscou o fósforo e ficou olhando as chamas arderem, e nestas chamas se consumiam cartas, fotografias, bilhetes... Restos de um amor.
"Quando eu morrer, não quero choro nem vela..."
Cinzas ao vento.
Ela espreme a bituca no cinzeiro e decide: parei de fumar.
A última brasa suspira.
É isso?
Ela olha para os lados, confusa.
No estacionamento, como testemunhas de seu pequeno incêndio interior, uma amiga e um flanelinha.
É isso?
Mas ela ainda se sentia tão pesada.
A amiga sugeriu:
- Agora pisa.
Ela pisou (imagino eu, com os sapatos vermelhos dos quais eu morria de inveja). Pisou, pulou, sapateou sobre as cinzas. Reduzindo a pó o que já era pouco mas ainda parecia tanto.
Então entrou no carro.
Entregou algumas moedas ao flanelinha, mas antes de partir, ouviu assim:
- Fez bem pisar, moça, só queimar não basta.
Era o flanelinha.
Veja só, ela diz, um flanelinha sensível.
E eu respondi: mas tu não sabe que eu também encontrei, certa vez, um segurança sensível?
Faz alguns anos. Eu estava em uma festa.
E eu era a moça mais triste da festa.
E também a que mais sorria.
Sorria e dançava feito doida.
Feito doida.
Até que a leveza do ser que eu fingia ser tornou-se insustentável.
Corri pro banheiro, aqueles imundos de lugares superlotados com gente vomitando e torneiras quebradas.
Quando saí, meus olhos não negavam nada.
Sem coragem de voltar pra pista de dança, escolhi um cantinho e lá fiquei, encolhida, ao lado de um segurança. Passa um tempinho, ele pergunta assim:
- Chorando?
(ouça-se o nariz fungando e um inaudível "é...")
E conte-se a partir daí meia hora de conversa com o segurança me dando vários conselhos sentimentais. Que eu devia tocar a bola pra frente, que um dia isso tudo passa, que ele já estava cansado de ver, em toda festa, meninas chorando por causa de uns moleques babacas que só sabiam brincar com os sentimentos dos outros:
- E quer saber? Aposto como esse cara não merece que você chore por ele. Ninguém, ninguém deve ter o poder de te fazer chorar. Agora limpe esse rosto, volte pra pista e mostre que ele é que está perdendo.
- ... snif...
- Ou você quer que eu vá lá e dê uns tabefes nesse filho da puta e o expulse daqui com um pontapé no meio da bunda?
Homens sensíveis...
sim, eles existem.
Já é a segunda amiga que eu sei que fez isso. Num momento de dor, ou justamente num momento de superação da dor, riscou o fósforo e ficou olhando as chamas arderem, e nestas chamas se consumiam cartas, fotografias, bilhetes... Restos de um amor.
"Quando eu morrer, não quero choro nem vela..."
Cinzas ao vento.
Ela espreme a bituca no cinzeiro e decide: parei de fumar.
A última brasa suspira.
É isso?
Ela olha para os lados, confusa.
No estacionamento, como testemunhas de seu pequeno incêndio interior, uma amiga e um flanelinha.
É isso?
Mas ela ainda se sentia tão pesada.
A amiga sugeriu:
- Agora pisa.
Ela pisou (imagino eu, com os sapatos vermelhos dos quais eu morria de inveja). Pisou, pulou, sapateou sobre as cinzas. Reduzindo a pó o que já era pouco mas ainda parecia tanto.
Então entrou no carro.
Entregou algumas moedas ao flanelinha, mas antes de partir, ouviu assim:
- Fez bem pisar, moça, só queimar não basta.
Era o flanelinha.
Veja só, ela diz, um flanelinha sensível.
E eu respondi: mas tu não sabe que eu também encontrei, certa vez, um segurança sensível?
Faz alguns anos. Eu estava em uma festa.
E eu era a moça mais triste da festa.
E também a que mais sorria.
Sorria e dançava feito doida.
Feito doida.
Até que a leveza do ser que eu fingia ser tornou-se insustentável.
Corri pro banheiro, aqueles imundos de lugares superlotados com gente vomitando e torneiras quebradas.
Quando saí, meus olhos não negavam nada.
Sem coragem de voltar pra pista de dança, escolhi um cantinho e lá fiquei, encolhida, ao lado de um segurança. Passa um tempinho, ele pergunta assim:
- Chorando?
(ouça-se o nariz fungando e um inaudível "é...")
E conte-se a partir daí meia hora de conversa com o segurança me dando vários conselhos sentimentais. Que eu devia tocar a bola pra frente, que um dia isso tudo passa, que ele já estava cansado de ver, em toda festa, meninas chorando por causa de uns moleques babacas que só sabiam brincar com os sentimentos dos outros:
- E quer saber? Aposto como esse cara não merece que você chore por ele. Ninguém, ninguém deve ter o poder de te fazer chorar. Agora limpe esse rosto, volte pra pista e mostre que ele é que está perdendo.
- ... snif...
- Ou você quer que eu vá lá e dê uns tabefes nesse filho da puta e o expulse daqui com um pontapé no meio da bunda?
Homens sensíveis...
sim, eles existem.