Bete Balanço
Primeiro dia do ano, minha crença de que um dia eu hei de pertencer à geração saúde levou-me ao Parque do Ibirapuera.
Ressaca? Deixa pra lá. Dez e meia da manhã, calcei meus tênis e fui lá, dar minhas corridinhas no parque.
Corridinha mesmo não teve muita, não.
Numa atitude mais contemplativa (para não dizer preguiçosa), sentei-me à beira do lago e fiquei lá, olhando os patinhos e pensando na vida com aquela deprê típica de Réveillon.
Passa um vendedor:
- Quer cerveja geladinha?
- Não, obrigada...
Passa outro:
- Quer sorvete?
- Não, obrigada...
- Quer pipoca? Quer salgadinho?
- Não, obrigada...
- Quer fazer amizade?
- Não, obrigada...
- Por que não?
- Heim?
- Por que?
- Desculpa, o que foi que o senhor disse?
- Eu perguntei se você não quer fazer amizade?
- Ah... não, obrigada.
- Por que?
- Bem... eu estou meio chata, hoje.
- Mas se você está chateada, a gente pode conversar sobre isso.
- Moço...
- Eu posso ouvir você. O que está lhe chateando?
- Moço, eu disse que não, obrigada...
Céus! Quando eu me tornei esta pessoa amarga que não quer mais fazer amizades com o povo?
Tá, o cara era uma mala sem alça, mas eu me senti mal.
Primeiro dia do ano e eu assim, deprê e antipática?
Foi quando _tentando resgatar a inocência e a alegria da criança que ainda existe em mim, cruelmente sufocada pela mulher madura e estressada, em busca de uma nova atitude diante da vida, mais leve, mais colorida para iniciar 2003 _ eu tive uma idéia brilhante:
- Vou brincar no balanço!
Fui feliz e saltitante até a parte dos brinquedos, onde era uma alegria só. Criancinhas correndo, a moça do algodão-doce, flores por todos os lados... Enfim encontrei meu favorito _sorri.
Há quantos anos eu não sentava num balanço? Nem conseguia lembrar...
Por que, meu povo, a gente deixa para trás estes pequenos prazeres da vida? Por que?
Não tardei a descobrir a resposta: porque eu não cabia mais no balanço.
Pra piorar, uma menina má e insensível ainda disse assim:
- Ei, tia, não senta, não! Vai quebrar!
Meu Deus, que humilhação!
Saí correndo atrás da minha dignidade de adulta, que a essa altura já estava há léguas de distância. Mas no meio do caminho, vi uns adolescentes brincando em uns balanços maiores e pensei: não me deixarei intimidar!
Se eles podem, eu também posso.
E fiquei esperando a gurizada sair para me balançar também.
Só que os meninos nunca que iam embora e, ansiosa para levar meu plano até o final, saí a procurar nas redondezas um balanço do mesmo modelo, que parecia maior.
Encontrei um parecido. Em uma das cadeiras, estava uma menina bem gordinha.
Eu pensei: tá, tudo bem que essa menina só deve ter uns dez anos mas duvide-o-dó que a minha bunda seja maior que a dela, a menina é uma baleia!
Tá, geralmente eu não falaria assim de uma criança, mas depois de ter sido cruelmente humilhada por aquele projeto de gente metida a besta eu havia perdido a barreira do bom senso.
E confesso que também não tive pudores em correr para agarrar o balanço antes de um menino que vinha na mesma direção:
- Eu vi primeiro! É meu! Vai procurar outro!
Sentei.
Ficou um pouco apertado mas eu estava mais feliz que nem sei o quê. Fiquei lá, me balançando, pernas pra frente, pernas pra trás... O horizonte subindo e descendo. O vento no rosto. Até sorri para a menininha gorda, pra vocês verem como eu sou legal.
Balancei.
Balancei.
Até que cansei.
Tá, agora vocês respondem: e quem disse que eu conseguia sair do balanço?
En.ta.la.da.
Puxa daqui, puxa dali e nada.
Veio um rapaz:
- Quer que eu empurre a senhora?
- Não, obrigada...
Puxa daqui, puxa dali...
- A senhora tá presa?
- Não, eu só estou... pensando na vida.
O rapaz ainda ficou ali por perto, acho que queria se balançar também, coitado. E eu lá, me balançando e olhando pro tempo.
Quando ele enfim desistiu, eu tentei de novo.
A cena mais linda: em pé com o balanço preso no quadril, empurrando o brinquedo pra trás e rebolando.
E eu tenho certeza de que, no dia em que for rica e famosa, descobrirei que alguém gravou uma fita com essa cena, pela qual pagarei milhões de dólares.
Quando enfim consegui me desentalar, respirei aliviada e acenei para a menininha gorda, que assistira todo meu malabarismo sem rir de nada.
- Tchau, lindinha. Feliz ano novo, tá?
- Tchau, tia.
E só depois eu fui me tocar...
Acho que a coitada também estava entalada.