Morena, 24 anos,
sincera e amiga
procura manicure,
cabeleireira
e depiladora para
relacionamento
duradouro e estável
Já traí, confesso.
Já fui traída também.
Vivi meus casinhos sem compromisso, namorei dois meninos ao mesmo tempo e, de repente, sei lá, até toparia um relacionamento aberto _ depende do caso.
Mas se tem alguma coisa à qual eu sou a mais fiel das criaturas é salão.
Não tem essa de sair por aí, numa tarde de sábado e entrar num salão qualquer.
Por aventura. Curiosidade.
No way.
Eu sou fiel.
>>*<<
Já tive essa fase aventureira, quando era mais jovem.
Sabe como é, você é adolescente, se sente invencível. Eterno.
Até que entra num salão desclassificado e uma fulaninha arranca três quilos de cutícula do seu dedo e você compreende o quanto o ser humano é frágil.
As pontas dos dedos completamente inchadas.
Não conseguia digitar.
Não conseguia amarrar o cadarço.
Não conseguia prender o cabelo...
Confesso: deixei de acreditar.
Jurei nunca mais ir a uma manicure.
Nunca mais entregar meus dedos a um alicate.
Quem precisa de lixa?
Quem precisa de esmalte?
Posso ser feliz roendo minhas unhas.
Até que um dia eu conheci a Roseli...
Roseli que deixava minhas unhas quadradinhas com as bordas levemente arredondadas...
Roseli que arrancava minhas cutículas com toda delicadeza...
Roseli que, sem reclamar, repintava todas minhas unhas de rosa claro assim que eu descobria que pintar as unhas de vermelho sangue havia sido um erro. Um grande erro...
Roseli é que era manicure de verdade...
E agora...
>>**<<
Minha experiência com cabeleireiros também não era das mais felizes.
Começa que a minha mãe sempre quis dar uma de cabeleireira e cortar o cabelo da gente.
E lá ia eu pro quintal, com meu cabelinho de índia e um lençol sobre os ombros, resignada.
Aí a mamãe cortava, ia pra longe e dizia assim:
- Não... o lado esquerdo tá mais curto...
Aí ela cortava de novo, pra tentar arrumar.
Só que dessa vez, era o lado direito que ficava mais curto.
Aí ela cortava de novo.
E o lado esquerdo ficava mais curto.
Até que eu ficava com o cabelo na altura da orelha e morria de chorar.
Aos dez anos, consciente de meus direitos, disse "alto lá, mamãe" e exigi que meu cabelo fosse cortado em um salão de verdade.
Aí a mamãe me levou num que a gente tirava a foto 3x4 e ganhava o corte de cabelo de graça.
Sim, é isso mesmo que você leu.
E lá fui eu, cheia de expectativas, com meu cupom de corte grátis na mão, sentar na cadeirona do salão, feliz e serelepe.
Aí veio a cabeleireira, com suas madeixas loiras à las Panteras e cigarro no canto da boca, segurou minha franja e - zupt! - passou a tesoura.
"Pronto."
Olhei pro espelho sem querer acreditar. A franja completamente torta. Mas tive medo de reclamar e ficar careca e voltei pra casa assim mesmo, com o cabelo mais comprido de um lado que do outro.
Por sorte, estávamos na década de 80 e ninguém achou estranho.
E assim foi, de cabeleireiro em cabeleireiro... Profissionais sem a menor percepção de espaço para os quais cortar "só um dedinho" equivale a 20 centímetros.
E que sempre querem fazer em você o "corte da moda".
Arrasada, eu chegava em casa, deitava na cama e chorava. Não queria passear. Não queria ver ninguém. Ninguém.
Eu sofri muito, cara.
Até que eu conheci a Cida.
Cida que entendia os meus pedidos...
"Cida, eu quero a parte de trás como nessa foto aqui; a franja... você sabe aquela menina da novela? a Clara?... pois é, eu quero daquele jeito... mas não igual. Tipo assim: uma coisa entre a franja da Clara e a dessa foto aqui... mas um pouco mais comprida... sabe?"
E ela sabia. E fazia direitinho.
Eu era tão feliz...
E agora...
>>***<<
Mas o pior, o pior mesmo, sempre foi a depilação.
Acho que é porque a minha primeira vez foi traumática.
Uma amiga da minha mãe que disse:
"Tá ficando mocinha, tem que ir na depiladora".
Eu não me sentia preparada, era tão jovem...
Mas acabei cedendo à pressão social e fui no salão que a amiga da minha mãe indicou.
Ficava num local afastado. Olhando de fora, parecia uma residência comum. Ninguém diria que ali funcionava um salão.
Entrei no quarto toda constrangida.
A mulher disse:
"Tira a calça e deita aí"
Fiz o que ela mandava e me deitei, assustada.
Ela voltou com a panela de cera quente.
Pegou a colher é -plasht!- jogou a cera na minha perna:
- Aaaaaaaiiiiiiiiii!!!!!
Bom, depois disso só resta dizer que a mulher depilava tão mal, mas tão mal, que - durante uma tarde toda - só depilou minha perna esquerda.
E eu tive que voltar pra casa com uma perna lisa e a outra não.
Cena da qual meu irmão deve rir até hoje.
E a cada experiência desastrosa, sucedia-se outra ainda pior.
Teve uma que, depois da depilação, passou uma pomada "refrescante" à qual eu tive uma alergia tão grande que pensei que fosse perder a pele.
Outra que batia um tubo luminoso de vidro pros pelos não encravarem.
Ah, e aquela - como esquecer! - que aproveitava a sessão para me contar todas as suas peripécias sexuais.
Essa até que depilava direitinho mas eu ouvi cada coisa que deixariam o Marquês de Sade enrubescido, motivo pelo qual... mudei de novo.
E teve a Sandra - até hoje lembro o nome da
%¨*#~! - que puxava a cera com tanta força que me fez chorar.
E ainda tirou onda com a minha cara:
- Valha, mulé, tu é muito besta...
E quando eu já estava praticamente decidida a encarar um jeito Toni Ramos de ser...
Eu conheci a Neuma.
Neuma era a depiladora que eu pedi a Deus: rápida, competente e cuidadosa.
Só tinha um defeito:
era ciumenta.
Eu sou fiel - juro.
Mas um dia eu cheguei no salão e Neuma não estava. Diante da urgência da situação - eu ia viajar pra praia - fiz minha depilação com a Toinha, que uma amiga minha já recomendara.
Semanas depois, quando voltei ao salão, Neuma estava calada.
Calada...
Nem um pio...
Até que falou:
- Seu pêlo tá diferente.
(não, meu povo, não me peçam para explicar como que um pêlo pode estar diferente, mas enfim...)
Fiquei na minha.
- Você fez depilação com outra pessoa?
Não pude negar.
- Fiz...
- Com a Toinha, não foi?
Abaixei os olhos:
- Sim...
- Eu sabia.
- Mas Neuma...
- Não, não precisa dizer nada. Tudo bem.
Ficamos em silêncio. Ela muda. Eu calada.
Até que, na hora de ir embora, eu falei:
- Mas você é muito mais competente.
E ela me perdoou.
E o bom é que eu estava dizendo a verdade.
Eu havia encontrado a melhor depiladora do mundo.
E agora...
>>****<<
Agora que eu estou morando em São Paulo, dentre todas saudades que sinto - de coisas, lugares, pessoas - essa é uma das que vêm mais forte.
Roseli...
Cida...
Neuma...
Que falta vocês me fazem...
Minhas unhas, Roseli, nunca mais foram as mesmas. A do mindinho quebrou semana passada. Para não ficar com um visual "cobrador de ônibus" às avessas, resolvi roer o resto.
E quando eu misturei o "Sunshine" com o "Atrevida", Roseli, ficou tudo laranja.
Um erro que você jamais cometeria.
E como eu não tinha mais acetona, estou assim: com essas unhas alaranjadas há uma semana.
Roídas.
Descascadas...
Não, Roseli, não vou falar das unhas do meu pé. Você não merece.
Quanto ao meu cabelo, Cida...
Você lembra quando eu o pintei de loiro sueco lá em casa?
Pois é. Nunca retoquei.
E agora está assim: metade preto.
Metade cor de burro quando foge.
E...
e...
...e eu também cortei a minha franja.
Por sorte, estamos agora em um revival da década de 80.
E você, Neuma, bem que disse, antes de eu viajar:
- Você não vai encontrar outra depiladora como eu lá em São Paulo.
Eu sabia.
E até disse (lembra?) que se eu fosse rica traria você comigo.
Mas eu não sou.
Não tive ainda coragem de ir a outro salão. O hotel em que estou hospedada fica aqui no centro. Ainda não contei o número de cinemas eróticos e casas de moral duvidosa existem nesse trecho que atravesso toda dia, entre o hotel e o trabalho, mas sei que são muitos, Neuma. Dezenas.
E eu tenho medo de ir me depilar e - ao olhar pro lado - dar de cara com uma travesti bem dizer a cara da Cher, depilando as axilas enquanto canta "I will survive".
Eu tenho medo, Neuma.
Então resolvi fazer eu mesma minha depilação.
Comprei cera fria e folhas de plástico no Extra.
Forrei o chão do banheiro com jornal e...
Foi horrível.
Nem que eu fosse artista de circo que conseguia depilar a parte de trás da perna.
A cera que grudava em tudo, as folhas de plástico voando pelo quarto e eu lá, de ponta cabeça, em todos contorcionismos possíveis, a ponto de ter uma distensão, em busca daquela região inalcançável atrás do joelho. Um, dois, três...puxa.
Aaaaaaaaaiiiiiiiii!!!!!!!!!
Deu certo.
Eu acho.
Mais ou menos...
Ainda não sei como será da próxima vez.
Se vou tentar novamente.
Se apelo para a gillette.
Se encaro um novo salão.
Até lá, resta pedir que essa depilação
tão complicada, tão mais do que parece
não seja pra sempre, pois pêlos crescem,
Mas que seja infinita enquanto dure...