Coisa que tem aqui em São Paulo é pombo. É pombo que não acaba mais.
E ontem, voltando pro hotel, um amigo disse assim:
- Os pombos daqui nem estranham mais a gente. A gente passa do lado e eles nem ligam.
- É verdade - concordou outro - e ainda dão uns rasantes!!! A gente tem que se abaixar pra não dar uma cabeçada no pombo!
- E ainda fazem cocô na cabeça da gente! É um absurdo! Um abuso!!! - reclamei eu, indignadíssima.
Aí eles olharam para mim com aquela cara de "heim?" e eu tive que contar...
da vez que um pombo fez cocô na minha cabeça.
(da maravilhosa série: isso só acontece comigo)
Isso só acontece comigo...I
Estava eu na sétima série e tinha um paquerinha - coiso mais lindio desse mundo - que chamaremos aqui de Apolo.
O menino era lindo - loirinho dos cabelos cacheados, olhos verdes com risquinhos castanhos, alto e magro.
Ele já estava na oitava série - o que na minha escola correspondia ao grau máximo de status - mas mesmo assim falava comigo.
Conversávamos durante todo o recreio e todo dia voltávamos juntos pra casa.
Foi a primeira pessoa que me falou em depressão.
Com seus tristes olhos verdes:
"Estou me sentindo tão... deprimido".
E eu claro, fiquei de quatro, porque homem - pra mim - tem que ser complicado. É sina.
Comecei a usar roupa preta e batom - para impressionar. E parecer mais velha - claro.
Mas era só amizade...
Até que num belo dia a gente estava voltando pra casa e Apolo segurou a minha mão.
Fiquei gelada!
"ai, meu deus ele segurou a minha mão
ele segurou a minha mão
ele segurou a minha mão!!!!
o que eu faço
o que eu faço
o que eu faço?
Já sei, respira fundo, olha pra cima e sorri."
Aí eu respirei fundo, olhei pra cima, sorri e...
ploft!
um pombo fez cocô na minha cabeça.
pausa para a interpretação do psicanalista:
- Então, Amarílis, você acredita que este episódio traumático de sua pré-adolescência possa ter tido alguma influência na sua decisão de jogar uma bomba nuclear na antiga residência do Marquês de Pombal?
- Não... Esse caso da bomba tem mais a ver com aquela vez em que eu fiquei meia hora andando pela praia com o sempre-livre pendurado no biquini.
Mas aí já é outra história...
- ah... então prossigamos.
- Tá, como eu ia dizendo...
O pombo fez cocô na minha cabeça.
E eu ainda demorei uns quinze segundos sem entender direito o que tinha acontecido, só olhando aquela expressão de horror no rosto de Apolo.
- O que foi? O que foi?
Até que caiu um pedacinho no meu ombro.
- Aaaaaaaarrrrghhhhhhh!!!!!!!
E eu saí correndo em disparada na avenida. Os carros buzinando, freando em cima da hora:
- Sua doida!!!!!
E eu lá:
- Aaaarrrrrghhhhhh!!!!!!!!
Basta dizer que eu morava no 19o andar e fui de escada em 15 segundos, eu e meu grito ancestral evocando todas mulheres humilhadas desde a pré-História, quando o primeiro pombossauro fez cocô na cabeça da primeira Mulher de Neanderthal:
"aaaarrrgghhh!!!!"
(muito embora a Mulher de Neanderthal não tenha gritado nada porque o pombossauro era muito maior que os pombos atuais e seu cocô pesava uma tonelada)
Eu queria morrer.
Não queria mais ir pra escola.
Passava o recreio inteiro escondida no banheiro.
Queria mor-rer.
Aí no dia que o menino vem falar comigo, eu lá querendo enterrar minha cabeça num buraco, ele vem dizer que está... deprimido... aquela angústia... e o ser... o não ser... e o disco novo do REM.
Ah, peraí meu filho.
Eu paquero contigo, um pombo caga na minha cabeça na tua frente, eu encaro a morte me jogando na frente de vinte carros com o meu cocô de pombo na cabeça e
VOCÊ é que tem motivo para estar deprimido?
E é por isso que eu digo: se nessa eu não me matei, é porque eu não morro mais.
Ilis forever!
Mico forever!
Porque é de micos que se vive a vida.
E tenho dito.